30 September 2006

Simetria...A busca de Einstein

A simetria é uma característica que pode ser observada em algumas formas geométricas, equações matemáticas ou outros objectos. O seu conceito está relacionado com o de isometria (e às operações geométricas associadas: reflexão, rotação e translação). Através da reflexão, uma imagem é invertida em relação a um eixo, formando-se uma imagem espelhada da original. De forma mais lata, existe simetria se uma mudança num dado sistema mantém as características essenciais desse sistema inalteradas; por exemplo, num determinado arranjo de cargas eléctricas, se trocarmos o sinal de cada uma das cargas eléctricas presentes, o comportamento eléctrico do sistema permanecerá inalterado.
Na Física, o conceito de simetria é amplamente utilizado em vários campos. A descrição de muitos fenómenos socorre-se também do conceito de simetria, como é o caso das forças que actuam no núcleo atómico. No entanto, a aplicação mais frutífera deste conceito está presente no teorema de Noether, que faz corresponder cada simetria (aqui chamada de invariância) em Física numa lei de conservação. Foi em Göetingen que Emmy Noether enunciou o teorema que passou a ser conhecido como "teorema de Noether". Esse teorema associa cada simetria em Física a uma lei de conservação. A simetria das leis físicas em relação à translação espacial, por exemplo, implica, como resultado natural, na conservação da quantidade de movimento, ou momento. A simetria (ou "invariância") das leis físicas em relação ao tempo resulta na conservação da energia. Esse resultado foi levado às últimas consequências pelos físicos teóricos, desde que surgiu o teorema de Noether. Hoje, o trabalho dos físicos teóricos consiste, em boa parte, na busca e compreensão de simetrias e suas leis de conservação associadas.
É por isso que a Teoria dos Grupos se tornou uma das áreas da matemática mais estudadas pelos físicos. A quebra espontânea de simetria nas transformações dos grupos de simetria é muito utilizada nesta ciência com o intuito de explicar fenómenos ligados à Física das partículas e à cosmologia.

Alguém terá um dia dito que Albert Einstein era um esteta da ciência. As suas contribuições mais famosas à física não nascem somente da necessidade de explicar resultados de observações experimentais. Também vêm do esforço em reduzir ao mínimo o número de princípios fundamentais da toda a física; dito de outra forma, nascem de uma necessidade de unificação. Einstein formulou a Teoria da Relatividade Restrita para tornar compatíveis duas grandes teorias físicas do século XIX: a física do movimento e a física da electricidade e do magnetismo. O conceito de partículas de luz, que ele propôs no mesmo ano que a teoria da relatividade, serviu para unificar os conceitos de onda e partícula, que na física anterior apresentavam uma profunda distinção formal.
Einstein dedicou os últimos 20 anos de sua vida na procura de uma teoria que abrangesse a gravitação e as forças electromagnéticas, outra busca unificadora de motivação estética. Esta busca de unidade tem um paralelismo na arte, por exemplo, na pintura anterior ao impressionismo. O pintor buscava dar realismo ao que pintava usando a técnica da perspectiva. Para isso, primeiramente, escolhia um ponto de fuga. O ponto de fuga, junto com as regras da perspectiva, dá unidade aos elementos da imagem que o pintor representa.

A lei da gravitação universal de Isaac Newton diz que dois corpos com massa sofrem uma atracção na razão directa de suas massas e na razão inversa do quadrado da distância entre eles. O enunciado da lei de Coulomb diz que dois corpos carregados electricamente exercem uma força proporcional às suas cargas e inversamente proporcional à distância entre eles. Nesse caso, a lei tem algo mais a acrescentar: no caso das cargas serem opostas haverá atracção, caso contrário, haverá repulsão. Note-se em primeiro lugar a semelhança entre as duas leis: ambas dizem que a força é a proporcional a um atributo relevante; massa para a gravitação, carga eléctrica para a electricidade. Em segundo lugar, note-se a característica adicional que possui a lei de Coulomb; a dicotomia entre os atributos da carga eléctrica: se da mesma natureza, a força é de repulsão, se de natureza oposta, a força é de atracção. Esta é uma propriedade que a gravitação não tem. Essa é a propriedade de dipolo da electrodinâmica: a existência de dois pólos cujas naturezas se caracterizam pela oposição de propriedades. De maneira geral uma delas é tida como "positiva" e a outra, "negativa". Esses termos foram escolhidos na antiguidade. No caso eléctrico eles foram atribuídos mais ou menos arbitrariamente. O "positivo", era o atributo da existência do agente eléctrico. O "negativo", por sua vez, era definido pela inexistência desse agente. Actualmente, sabemos que a situação é exactamente inversa. Os electrões, agentes da electricidade em 90% dos casos (em reacções químicas existe a corrente de iões), possuem carga negativa. O excesso de electrões, portanto, define a carga negativa. A corrente eléctrica que conhecemos da tomada é a transferência de electrões nos fios condutores. De qualquer forma, existem muitas semelhanças nos enunciados das leis de Newton e de Coulomb.
Esta semelhança não existe, pelo menos directamente, entre a força electrostática/gravitacional e a força magnética (devido ao carácter vectorial desta força). No entanto é possível formular um "correspondente" vectorial dessa lei que é válida para os chamados "campos escalares", mesmo porque, já antes de Einstein, Maxwell havia demonstrado, através de suas equações, que a força eléctrica e magnética são diferentes manifestações do mesmo fenómeno físico. Para verificar isso, é fácil imaginarmos uma experiência simples. Isso é visível nas equações de Maxwell. Se fizermos variar o campo eléctrico, fazendo acelerar um electrão, por exemplo, um campo magnético vai aparecer. É assim que são produzidos os electroímanes. Se, por outro lado, fazemos um íman movimentar-se, um campo eléctrico vai-se manifestar. Essa "simetria" está contida nas quatro equações de Maxwell, que ficaram conhecidas como equações do electromagnetismo pois colocam no mesmo "saco" a electricidade e o magnetismo. Essa simetria diz que o campo eléctrico, por sua vez, é uma "expressão" do campo magnético variante, assim como o campo magnético é expressão do campo eléctrico variante.
A primeira das conclusões de Maxwell foi que aquelas equações que ele tinha acabado de enunciar apontavam como solução geral uma equação de onda, que ao estudar suas propriedades ele descobriu que tinha tudo a ver com a luz. O sucesso das equações de Maxwell foi tão grande que acabou por derrubar a hipótese de Newton, vigente na época, de que a luz era composta de partículas. Essa ideia vigorava, em oposição à hipótese de Huyghens, de que a luz era uma composição de ondas. Como poderia a luz ser composta de ondas se ela se propaga no vácuo do espaço? As ondas precisam de um "meio" para se propagar. A descoberta de Maxwell resolvia esse problema pois dispensa o meio material, tratam-se de campos eléctricos a gerar campos magnéticos e vice-versa, sem necessidade de qualquer meio para se propagar. A ideia do carácter corpuscular da luz retornou mais tarde com Plank.
Foi com base nessa "simetria" das equações de Maxwell, e a "coincidência" da lei de Coulomb com a lei da gravitação de Newton que fez Eintein pensar que seria possível descrever todas as forças da natureza com uma só equação, ou, pelo menos, sob um só formalismo. Contudo, essa "unificação" tem implicações extraordinárias. Se a unificação da electricidade com o magnetismo trouxe a descoberta das ondas electromagnéticas, a unificação da gravitação com o electromagnetismo deve conduzir às ondas gravitacionais. Ainda hoje a física experimental tenta confirmar esta teoria unificada.
Mas as questões que sempre intrigaram os físicos que estudam a origem do universo sob o ponto de vista da teoria do campo unificado são justamente essas: por que não há monopolo magnético? E por que não há dipolo gravitacional? No caso gravitacional, o que vemos são monopolos. Não encontramos "massa negativa" de maneira a fazer com que dois corpos experimentem uma "repulsão" gravitacional, ao invés de atracção como vemos ser o fenómeno absoluto nesse nosso universo. A outra questão é o monopolo magnético. Como vimos, o campo magnético é uma "forma" de "apresentação do campo eléctrico". Apesar deste poder ser encontrado na forma de dipolo "+/-" ou monopolo "+/+" ou "-/-", os pólos do campo magnético não podem ser separados. Um íman possui dois pólos: o "norte" que se alinha na direcção do norte geográfico e o "sul" que se alinha na direcção oposta. Se dividirmos o íman em dois, produziremos dois ímanes com as mesmas propriedades do original: um lado é norte e o outro é sul. Por mais que dividamos o nosso íman, até chegar ao limite da liga do metal, nunca chegaremos à separação da parte norte da do sul. Se dividirmos mais uma vez, destruímos a liga e suas propriedades magnéticas. No caso de geração artificial de campo magnético, tal situação repete-se. Resumindo, não existe monopolo magnético. Para gerar um formalismo único para as forças da natureza será necessário entender porque o campo gravitacional e o magnético possuem essas características. O exame dessa questão leva-nos à origem do universo.

Mais que uma lista de resultados, a física é uma maneira de pensar. E essa maneira de pensar não consiste somente em fazer experiências e anotar resultados. Também consiste em ordenar esses dados e encontrar neles padrões que revelem uma unidade oculta em fenómenos que, à primeira vista, parecem distintos. Esses padrões são o que chamamos leis da natureza, e para encontrá-los, o físico aplica aos dados critérios de simplificação, simetria e elegância. Ao construir teorias, o físico emprega critérios estéticos que tornam a física semelhante à arte – ou pelo menos, a certos tipos de arte.
A ciência tem demonstrado que a natureza nos níveis mais básicos é altamente simétrica. Einstein foi mais longe ao afirmar que não é que a arquitectura natural seja simétrica, mas sim que a simetria determina seu desenho. A partir da simetria da relatividade surgem, como consequências directas, a equivalência entre massa e energia, aceleração e gravidade e a união entre o tempo e o espaço. Os resultados têm sido, com a contribuição de muitos outros, a estandardização do modelo da estrutura da matéria e de uma cosmologia moderna onde o Universo teve um começo e evolui expansivamente. Por outro lado, Einstein também iniciou uma cultura da visão unificada do todo, e dedicou a segunda metade nesta busca. Não o conseguiu mas, e em definitivo, o seu desafio domina o desenvolvimento da física contemporânea.

A simetria é algo que nos rodeia; o bom disto é que não precisamos de ser físicos, matemáticos ou outra coisa qualquer do género para nos apercebermos dela. Não precisamos sequer saber coisa alguma de ciência. Basta parar por uns momentos (e saber parar), saber olhar para o que nos rodeia...e ela está lá! E está em todo o lado, em nós, nos animais e plantas, na arquitectura, na paisagem...basta olhar!


26 September 2006

Porque é que a Teoria da Relatividade se chama Teoria da Relatividade?


No livro, simples mas também muito bem escrito, 'Einstein…Albert Einstein' (da Gradiva), Jorge Dias de Deus e Teresa Peña mostram as três facetas de Einstein: a do cientista, a do homem e a do cidadão, "…através de instantâneos onde a luz e as sombras se projectam para deixar adivinhar os contornos de uma personalidade complexa e contraditória." Neste livro encontramos perguntas que nunca nos ocorreram sobre Einstein e a resposta a algumas que todos, em princípio, fazemos sobre este homem e o seu percurso. A leitura atenta deste livro permite-nos inclusive responder à questão porque se chama Teoria da Relatividade à teoria proposta por Albert Einstein em 1905…

Desde que surgiu em 1905 a Teoria da Relatividade de Einstein, o termo "é relativo" entrou no vocabulário comum. No entanto, Einstein nunca esteve interessado no que é relativo, mas sim naquilo que é invariante, ou seja absoluto. A teoria de Einstein é uma teoria do absoluto e não do que é variante, ou que pode ser alterado mediante uma mudança de referencial. O que é invariante em Física advém do factor humano e da experiência física. O que interessava a Einstein eram as relações absolutas que se poderiam encontrar no Universo; as leis da Física.

Existe a ideia que foram as experiências de Michelson, e do seu colaborador Morley, que levaram Einstein a elaborar a sua Teoria da Relatividade. Estes tentaram medir a variação da velocidade da luz c com o movimento. Como a Terra descreve uma órbita em torno do Sol que é praticamente circular, existe uma velocidade v tangencial à órbita (razão pela qual damos uma volta completa ao Sol em cerca de 365 dias), enquanto que na direcção do Sol a velocidade é praticamente zero (estamos praticamente sempre à mesma distância do Sol). Quando se mede a velocidade da luz na direcção tangencial, e como o sistema se move, a velocidade da luz medida devia ser v+c enquanto que na direcção do Sol deveria ser só c. As experiências foram repetidas inúmeras vezes e nunca foi detectada qual diferença de velocidades entre as duas direcções. A velocidade da luz ser uma constante, independentemente da velocidades do sistema em que se está a fazer a medição, princípio em total desacordo com a "Mecânica Clássica", vai constituir um dos principais postulados da Teoria da Relatividade.

Esta é a razão porque se diz que as experiências de Michelson foram o "catalizador" para o aparecimento da teoria de Einstein. No entanto isto não parece ser certo. Em primeiro porque a nível experimental nunca se pode garantir que duas grandezas sejam exactamente iguais porque todas as medições contêm erros. Por muito pequena que seja essa diferença, é experimentalmente impossível afirmar que duas medições sejam iguais. Em segundo porque o próprio Einstein afirmou que a experiência de Michelson não teve qualquer influência na construção da Relatividade, não tendo atribuído na altura grande importância a esses resultados.E não há nada que nos leve a duvidar de Einstein. Aliás, tudo aponta na direcção da ideia que não são as experiências de Michelson que confirmam a Relatividade, mas que é a Relatividade que valida as experiências de Michelson.

O grande interesse de Einstein sempre foi o da consistência da física clássica, particularmente entre a mecânica e o electromagnetismo. Einstein tentava perceber como se poderia explicar a invariância da física na lei de indução electromagnética de Faraday que ligava o movimento mecânico com a corrente eléctrica. Existindo um movimento relativo entre um circuito condutor e um íman, resultando uma variação de fluxo magnético através do circuito, é induzida uma corrente eléctrica no circuito. Esta variação de fluxo pode ser obtida movendo o íman e mantendo o circuito em repouso, ou movendo o circuito e mantendo o íman em repouso. Usando as leis da mecânica de Newton e as leis do electromagnetismo de Maxwell não se obtinham os mesmos resultados nos dois casos. Foi esta contradição entre as leis de Newton e as leis de Maxwell que levaram Einstein à formulação da Relatividade. Em 1920 Einstein dizia: "A ideia de duas situações contraditórias era-me intolerável".

Einstein resolveu a contradição mantendo o electromagnetismo de Maxwell e alterando a mecânica de Newton. Ao fazer isto abriu o caminho para o princípio da constância da velocidade da luz no vácuo. Segundo as equações das ondas de Maxwell, a velocidade das ondas electromagnéticas no vácuo é função da intensidade das forças eléctricas e magnéticas. Como o primeiro princípio de Einstein diz que as leis da física são invariantes relativamente a movimentos uniformes (com velocidade constante), ou seja, as forças são as mesmas, e como a velocidade da luz depende directamente dos valores das forças eléctrica e magnética, a velocidade da luz no vácuo não pode depender do movimento relativo.

Por aqui se vê, e tendo a visão do Absoluto que Einstein tinha, o nome "Relatividade" para a nova teoria não foi o mais feliz. Einstein nunca utilizou a expressão "Teoria da Relatividade" no artigo original de 1905. Ele designou o trabalho original "Electrodinâmica dos corpos em movimento" que também não era o melhor por dois motivos: em primeiro porque era muito grande e em segundo tinha apenas significado para alguns físicos. Foi Ernest Planck que ao perceber o impacto do trabalho de Einstein começou a usar a abreviatura "Relatividade".

A grande ironia desta designação é que entra em completa contradição com o princípio fundamental da teoria que diz que as leis da física são as mesmas para todos os observadores; qualquer que seja a "parte" do Universo considerada, as leis são sempre as mesmas. Em todos os lugares e em todos os tempos, a evolução da matéria que forma o Universo segue as mesmas regras. Outro facto igualmente irónico, foi ser Planck a fazer esta escolha para o nome já que ele tinha dito: "...a atracção pela teoria de Einstein resultava de me permitir lutar por deduzir resultados absolutos, invariantes a partir dos seus teoremas."

O relativismo total, que a explosão social e artística do princípio do séc. XX identificaram como a principal conclusão da Teoria da Relatividade, nada tem a ver com a própria teoria ou com Einstein. Em 1929 Einstein explica estes equívocos: "Os filósofos brincam com as palavras como as crianças com bonecas. A Relatividade não significa que na vida tudo é relativo." Numa carta a um historiador de arte que tentava ligar o Cubismo à Teoria da Relatividade ele escreve: "A essência da Teoria da Relatividade tem sido incorrectamente compreendida. (...) A teoria diz apenas que as leis gerais são tais que a sua forma não depende da escolha do sistema de coordenadas. Esta exigência lógica, contudo, não tem nada a ver com a maneira como um dado caso específico é representado. A multiplicidade de sistemas de coordenadas não é necessária para a representação. É completamente suficiente descrever o todo matematicamente, sem relação com um dado sistema de coordenadas. (...) O que é bem diferente no caso da pintura de Picasso. (...) Esta nova linguagem artística não tem nada de comum com a Teoria da Relatividade."

O nome que Einstein sempre preferiu foi o nome sugerido por Hermann Minkowski em 1908 quando se referiu aos postulados da invariância de Einstein. A Teoria da Relatividade é de facto a teoria da invariância ou a teoria dos invariantes. Como tal a Teoria da Relatividade deveria ser chamada a "Teoria da Invariância" ou "Teoria dos Invariantes"; mas tal não sucedeu e o nome dado por Planck ficou e o próprio Einstein rendeu-se a ele...Era já muito tarde para mudar algo que tinha entrado no imaginário de todos...afinal tudo é "relativo" e um nome é apenas nome (neste caso pelo menos).

 
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