26 September 2006

Porque é que a Teoria da Relatividade se chama Teoria da Relatividade?


No livro, simples mas também muito bem escrito, 'Einstein…Albert Einstein' (da Gradiva), Jorge Dias de Deus e Teresa Peña mostram as três facetas de Einstein: a do cientista, a do homem e a do cidadão, "…através de instantâneos onde a luz e as sombras se projectam para deixar adivinhar os contornos de uma personalidade complexa e contraditória." Neste livro encontramos perguntas que nunca nos ocorreram sobre Einstein e a resposta a algumas que todos, em princípio, fazemos sobre este homem e o seu percurso. A leitura atenta deste livro permite-nos inclusive responder à questão porque se chama Teoria da Relatividade à teoria proposta por Albert Einstein em 1905…

Desde que surgiu em 1905 a Teoria da Relatividade de Einstein, o termo "é relativo" entrou no vocabulário comum. No entanto, Einstein nunca esteve interessado no que é relativo, mas sim naquilo que é invariante, ou seja absoluto. A teoria de Einstein é uma teoria do absoluto e não do que é variante, ou que pode ser alterado mediante uma mudança de referencial. O que é invariante em Física advém do factor humano e da experiência física. O que interessava a Einstein eram as relações absolutas que se poderiam encontrar no Universo; as leis da Física.

Existe a ideia que foram as experiências de Michelson, e do seu colaborador Morley, que levaram Einstein a elaborar a sua Teoria da Relatividade. Estes tentaram medir a variação da velocidade da luz c com o movimento. Como a Terra descreve uma órbita em torno do Sol que é praticamente circular, existe uma velocidade v tangencial à órbita (razão pela qual damos uma volta completa ao Sol em cerca de 365 dias), enquanto que na direcção do Sol a velocidade é praticamente zero (estamos praticamente sempre à mesma distância do Sol). Quando se mede a velocidade da luz na direcção tangencial, e como o sistema se move, a velocidade da luz medida devia ser v+c enquanto que na direcção do Sol deveria ser só c. As experiências foram repetidas inúmeras vezes e nunca foi detectada qual diferença de velocidades entre as duas direcções. A velocidade da luz ser uma constante, independentemente da velocidades do sistema em que se está a fazer a medição, princípio em total desacordo com a "Mecânica Clássica", vai constituir um dos principais postulados da Teoria da Relatividade.

Esta é a razão porque se diz que as experiências de Michelson foram o "catalizador" para o aparecimento da teoria de Einstein. No entanto isto não parece ser certo. Em primeiro porque a nível experimental nunca se pode garantir que duas grandezas sejam exactamente iguais porque todas as medições contêm erros. Por muito pequena que seja essa diferença, é experimentalmente impossível afirmar que duas medições sejam iguais. Em segundo porque o próprio Einstein afirmou que a experiência de Michelson não teve qualquer influência na construção da Relatividade, não tendo atribuído na altura grande importância a esses resultados.E não há nada que nos leve a duvidar de Einstein. Aliás, tudo aponta na direcção da ideia que não são as experiências de Michelson que confirmam a Relatividade, mas que é a Relatividade que valida as experiências de Michelson.

O grande interesse de Einstein sempre foi o da consistência da física clássica, particularmente entre a mecânica e o electromagnetismo. Einstein tentava perceber como se poderia explicar a invariância da física na lei de indução electromagnética de Faraday que ligava o movimento mecânico com a corrente eléctrica. Existindo um movimento relativo entre um circuito condutor e um íman, resultando uma variação de fluxo magnético através do circuito, é induzida uma corrente eléctrica no circuito. Esta variação de fluxo pode ser obtida movendo o íman e mantendo o circuito em repouso, ou movendo o circuito e mantendo o íman em repouso. Usando as leis da mecânica de Newton e as leis do electromagnetismo de Maxwell não se obtinham os mesmos resultados nos dois casos. Foi esta contradição entre as leis de Newton e as leis de Maxwell que levaram Einstein à formulação da Relatividade. Em 1920 Einstein dizia: "A ideia de duas situações contraditórias era-me intolerável".

Einstein resolveu a contradição mantendo o electromagnetismo de Maxwell e alterando a mecânica de Newton. Ao fazer isto abriu o caminho para o princípio da constância da velocidade da luz no vácuo. Segundo as equações das ondas de Maxwell, a velocidade das ondas electromagnéticas no vácuo é função da intensidade das forças eléctricas e magnéticas. Como o primeiro princípio de Einstein diz que as leis da física são invariantes relativamente a movimentos uniformes (com velocidade constante), ou seja, as forças são as mesmas, e como a velocidade da luz depende directamente dos valores das forças eléctrica e magnética, a velocidade da luz no vácuo não pode depender do movimento relativo.

Por aqui se vê, e tendo a visão do Absoluto que Einstein tinha, o nome "Relatividade" para a nova teoria não foi o mais feliz. Einstein nunca utilizou a expressão "Teoria da Relatividade" no artigo original de 1905. Ele designou o trabalho original "Electrodinâmica dos corpos em movimento" que também não era o melhor por dois motivos: em primeiro porque era muito grande e em segundo tinha apenas significado para alguns físicos. Foi Ernest Planck que ao perceber o impacto do trabalho de Einstein começou a usar a abreviatura "Relatividade".

A grande ironia desta designação é que entra em completa contradição com o princípio fundamental da teoria que diz que as leis da física são as mesmas para todos os observadores; qualquer que seja a "parte" do Universo considerada, as leis são sempre as mesmas. Em todos os lugares e em todos os tempos, a evolução da matéria que forma o Universo segue as mesmas regras. Outro facto igualmente irónico, foi ser Planck a fazer esta escolha para o nome já que ele tinha dito: "...a atracção pela teoria de Einstein resultava de me permitir lutar por deduzir resultados absolutos, invariantes a partir dos seus teoremas."

O relativismo total, que a explosão social e artística do princípio do séc. XX identificaram como a principal conclusão da Teoria da Relatividade, nada tem a ver com a própria teoria ou com Einstein. Em 1929 Einstein explica estes equívocos: "Os filósofos brincam com as palavras como as crianças com bonecas. A Relatividade não significa que na vida tudo é relativo." Numa carta a um historiador de arte que tentava ligar o Cubismo à Teoria da Relatividade ele escreve: "A essência da Teoria da Relatividade tem sido incorrectamente compreendida. (...) A teoria diz apenas que as leis gerais são tais que a sua forma não depende da escolha do sistema de coordenadas. Esta exigência lógica, contudo, não tem nada a ver com a maneira como um dado caso específico é representado. A multiplicidade de sistemas de coordenadas não é necessária para a representação. É completamente suficiente descrever o todo matematicamente, sem relação com um dado sistema de coordenadas. (...) O que é bem diferente no caso da pintura de Picasso. (...) Esta nova linguagem artística não tem nada de comum com a Teoria da Relatividade."

O nome que Einstein sempre preferiu foi o nome sugerido por Hermann Minkowski em 1908 quando se referiu aos postulados da invariância de Einstein. A Teoria da Relatividade é de facto a teoria da invariância ou a teoria dos invariantes. Como tal a Teoria da Relatividade deveria ser chamada a "Teoria da Invariância" ou "Teoria dos Invariantes"; mas tal não sucedeu e o nome dado por Planck ficou e o próprio Einstein rendeu-se a ele...Era já muito tarde para mudar algo que tinha entrado no imaginário de todos...afinal tudo é "relativo" e um nome é apenas nome (neste caso pelo menos).

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