13 October 2006

Um prémio Nobel para a Cosmologia

Os responsáveis pelo programa do satélite COBE, uma missão espacial da NASA que procura comprovar a teoria do Big Bang foram galardoados pelo Academia Sueca com o prémio Nobel da Física este ano. Os norte-americanos John Mather de 60 anos, astrofísico da NASA, a trabalhar no Centro de Goddard Space Flight e George Smoot de 61 anos, professor na Universidade da Califórnia, vão assim partilhar o prémio Nobel da Física.
O COBE (Cosmic Background Explorer), também conhecido por Explorer 66, foi o primeiro satélite construído especialmente para estudos de Cosmologia. O seu objectivo principal era o de investigar a radiação cósmica de fundo e obter medições que ajudassem a compreender o Universo.
A missão foi planeada para um período de cerca de4 anos e teve início a 18 de Novembro de 1989 quando o satélite foi lançado; este permitiu a recolha de imagens da radiação de fundo; os primeiros resultados foram recebidos apenas após nove minutos de observações: o COBE tinha registado um espectro de emissão de corpo negro. Essa radiação cósmica de fundo foi ainda designada como o "eco" do Big Bang.

Em Cosmologia, a radiação cósmica de fundo é uma forma de radiação eletromagnética prevista por George Gamov, Ralph Alpher e Robert Herman em 1948 e descoberta em 1965 por Arno Penzias e Robert Woodrow Wilson, do Bell Telephone Laboratories. Ela tem um espectro térmico de corpo negro na faixa de microondas. A maior parte dos cientistas consideram a radiação cósmica de fundo como a melhor evidência para o Big Bang como medelo para a criação do universo.
Em Física, um corpo negro é um objecto que absorve toda a radiação electromagnética que incide nesse mesmo corpo. Nenhuma radiação o atravessa e nenhuma é reflectida; no entanto, teoricamente irradia energia em todos os comprimentos de onda possíveis. Embora o nome, os corpos negros não são na realidade “negros” já que irradiam energia. A quantidade e o tipo de radiação que emitem dependem directamente da temperatura a que se encontram. Abaixo dos 700º K produzem muito pouca radiação nos comprimentos de onda visíveis e, neste caso, parecem de facto negros (daí o nome). Acima desta temperatura começam a produzir radiação em comprimentos de onda visíveis, começando pelo vermelho, passando ao laranja, amarelo, e branco antes de passar ao azul com o aumento da temperatura.

John Matter foi o coordenador do trabalho e tem a primeira responsabilidade pela experiência que revelou a forma de corpo negro assumida pela radiação de fundo. George Smoot mediu as pequenas variações na temperatura da radiação, que explicam o aparecimento das galáxias e estrelas. Ambos, refere a Academia Sueca, são premiados pelas suas descobertas do espectro de emissão de corpo negro e anisotropia de emissão cósmica de fundo.
Essa radiação é a mais velha luz do universo e vem de um período que se estima ser de 380 mil anos após o Big Bang. Com este trabalho foram reveladas imagens do universo recém-nascido. Não prova em absoluto a teoria do Big Bang como início do universo há aproximadamente 13,7 mil milhões de anos, mas é considerado uma contribuição muito significativa.
Segundo Teresa Lago da Universidade do Porto, o COBE permitiu perceber que "o espectro de radiação cósmica de fundo que recebemos de todo o lado era uma curva perfeita de um corpo negro e que tinha 2,7 graus". Uma revelação possível graças às medições do COBE e, portanto, um valor extraordinariamente próximo do que previa a teoria. E esse foi o papel decisivo de John Mather.
Contudo, um problema se levantou: se a curva era perfeita, como explicar o aparecimento e disseminação das estruturas no universo? Foi George Smoot que detectou pequenas variações da temperatura na curva em diversas direcções que permitiram a agregação de matéria. Essas pequenas variações - a que se refere o termo de anisotropia da radiação - são as "sementes" das galáxias, estrelas e planetas que povoam hoje o universo e que, no fundo, constituem ainda a origem da vida na Terra
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A divulgação mundial dos resultados do Cobe, a 23 de Abril de 1992, foi recebida com uma ovação em pé por quem estava numa reunião da Sociedade Americana de Física. Stephen Hawking considerou-a "a maior descoberta do século, se não de todos os tempos". Logo na altura se disse que os resultados do Cobe seriam dignos do Nobel. O que muitos pensavam cumpriu-se. A divulgação do primeiro retrato do Universo bebé, quando tinha só 380.000 anos, fez furor mundial. Era um mapa oval, uma espécie de ovo cósmico em tons azuis e rosa. Foi capa de jornais por todo o mundo.


O retrato do Universo primitivo não é uma fotografia no sentido comum, mas medições da luz mais antiga que se consegue ver - e que se chama radiação cósmica de fundo. No Universo com 380.000 anos, essa radiação era luz ultravioleta e chegava quase aos 3000 graus Celsius. À medida que o Universo se expandia, foi arrefecendo, passando pelas cores do arco-íris. Hoje, 13.700 milhões de anos após o Big Bang, essa radiação detecta-se como microondas e está apenas 2,7 graus acima do zero absoluto (273 graus negativos). Numa certa sintonização, a "chuva" dos televisores é a radiação fóssil do Big Bang, que enche o Universo.
Com menos de 380.000 anos, o Universo era muito quente e denso. Havia tantos electrões soltos que os fotões não conseguiam viajar, por isso não chegam até nós. Só quando os electrões se agarraram aos núcleos para formar átomos a luz pôde viajar. Então o Universo deixou de ser opaco, para ficar transparente.
Só por si, a história da descoberta da radiação cósmica de fundo é curiosa. Por volta da década de 60, confrontavam-se dois cenários sobre o Universo. Ou estaria em expansão, segundo o modelo do Big Bang, o acontecimento que criou o espaço e o tempo e se está tudo em expansão, então já esteve tudo concentrado num ponto. Ou manter-se-ia num estado estacionário, sem princípio nem fim. Se o modelo do Big Bang estivesse correcto, ainda hoje deveriam encontrar-se os vestígios da radiação que inundou o Universo nos tempos em que ficou transparente. Vários cientistas procuram o "ruído" de fundo do Big Bang.
Foi quem não procurava que encontrou. Arno Penzias e Robert Wilson do Bell Telephone Laboratories, nos EUA, nas experiências que realizavam encontravam sempre uma interferência estranha. Chegaram ao ponto de pensar que a fonte eram pombos em cima da antena. Mas não. Tinham descoberto, em 1964, a radiação cósmica de fundo, o que lhes valeu em 1978 o Nobel da Física. Parecia uniforme para onde quer que se olhasse no céu, o que evidenciava uma distribuição homogénea da matéria (energia e matéria equivalem-se, como disse Einstein) nos primeiros momentos do Universo. Mas isso era outro problema. Se não se conseguiam detectar flutuações na radiação, e na época, não havia tecnologias para tal, então como teriam surgido as galáxias e tudo o que existe?
É aqui que entra o COBE. Pela primeira vez, detectaram-se flutuações pequenas na temperatura da radiação, que correspondem a diferenças na distribuição da matéria. Nos pontos onde o Universo tinha mais matéria nasceriam as galáxias. Porque a matéria atrai a matéria. Por isso, quando se olha para os sítios de maior densidade, está a ver-se as sementes das galáxias. "As variações na temperatura mostram-nos como a matéria no Universo começou a "agregar-se". Tal era necessário, para que galáxias, estrelas e a vida pudessem desenvolver-se. Sem esse mecanismo, a matéria teria tomado uma forma diferente, espalhando-se de forma uniforme pelo Universo", refere o comunicado.
Mather dizia estar "encantado", relatava a Reuters. "Não posso dizer que estou completamente surpreendido. As pessoas têm dito que deveria ser premiado." Smoot, depois de contar a peripécia do telefonema do comité do Nobel (ligaram-lhe de madrugada, depois de terem marcado o número errado), centrou-se na relevância do trabalho premiado com dez milhões de coroas suecas (cerca de um milhão de euros). "É muito importante para os seres humanos saber as suas origens e o seu lugar no mundo."

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